Estamos encarcerados em nossos dispositivos tecnológicos portáteis.
Passamos a viver uma vida dupla, em que a realidade é sempre entediante
e o simulacro digital é todo tempo novidade.
Se no
mundo real as coisas e as pessoas não acontecem em determinado tempo,
no meu smartphone, ao contrário, posso baixar um aplicativo, jogo ou
mudar completamente sua aparência, de forma instantânea, simples,
descartando o velho, incorporando o novo, amenizando a frustração da
imparcialidade do tempo-espaço.
A realidade nunca vai ser
tão vibrante, colorida, desafiadora, dinâmica como nos games que
possuímos em nossos tablets, laptops ou games portáteis. As pessoas
nunca serão tão interessantes, altruístas, alegres, bem-sucedidas e
viajadas como nos profiles do facebook.
O fruir no
ambiente virtual de nossos aparelhinhos tecnomidiáticos é sempre
constante. Atualizações de software acontecem na velocidade dos nossos
pensamentos, na velocidade do nosso ego sedento por mais recheio. A
mudança ou troca dos nossos gadgets acontece freneticamente, só
dependendo dos nossos bolsos, pois os fabricantes atualizam seu hardware
e seu discurso tão rápido quanto nos dispusermos a comprar e adquirir
coisas.
Romper e conectar nesses ambientes tecnosociais é
tão simples quanto apertar um botão para chamar o elevador. Podemos
nos envolver com alguém, coisa ou causa e mesmo assim nos mantermos
deveras afastados, poupando nossa vaidade, no caso de alguma
negligência. No mundo real, contrariar, romper, brigar, se desconectar
das pessoas é muito traumatizante, dói, tem lá seus problemas, que são
variados. Vivemos o tempo todo trombando com nossas inimizades do mundo
real, seja em nosso bairro, numa festa, isso é sempre constrangedor.
No mundinho que vivemos dentro de nossas redes sociais e meios de
socialização virtual, as amizades virtuais podem ser desfeitas e
rompidas, desprovidas de qualquer empecilho e aborrecimento que a nossa
fragilidade da carne e do osso causam.
Se no mundo real
precisamos da publicidade e da propaganda para criar excitação ou para
capturar a atenção, no ambiente tecnomidiático as relações e
interatividades são elas mesmas as propagandas e publicidades, são elas
próprias o ópio ou o viagra, e bastam por si para causar euforia e
prazer.
É tudo um delírio controlado ou mesmo um
hedonismo controlado, fornecido de hora em hora, de minuto em minuto,
em cada atualização de status, em cada post de texto ou foto. Nossos
dedos ágeis garantem a que não percamos nenhuma porção de satisfação do
alucinógico coletivo. O meio tecnomidiático é a própria ansiedade, é o
próprio remédio e o próprio cárcere.
Como a pornografia
analógica, que antigamente era alugada em fitas VHS, ou a digital que
hoje baixada nos torrents ou está disponível em streaming, a satisfação
está em não se satisfazer ou não satisfazer aquele que consome.
Deve-se sempre retroalimentar o sistema com a frustração ou o o próprio
sistema entra em colapso.
Nesses aparelhinhos dotados de
uma feitiçaria desconhecida, estamos todos hipnotizados pela
possibilidade de alterar a estrutura da “aldeia global”, de poder
novamente fazer parte de um ambiente, de uma natureza, que por hora
está perdida ou afastada. Estamos sob forte influência de um
encatamento, macumba tecnológica ou um tipo de vodu desconhecido criado
pelos CEO’s e marketeiros das companhias capitalistas.
Nossa
cultura está levando a sério o conceito “multitasking” dos sistemas
operacionais e vivemos o tempo todo alternando nossa percepção entre
estados de atenção. Agora estou aqui, mas rapidamente, num piscar de
olhos, estou imerso em minha esquizofrenia digital.
No
fim das contas parece que gostamos desse frenesi de viver vidas duplas,
triplas, que passamos a viver sem correr o perigo, sem nos expor ao
vexatório, sempre protegidos pelo anonimato de nossos IP’s. Gostamos de
flutuar na hiper-realdiade, de possuir sentimentos artificiais e de
poder comprá-los com nossos cartões de crédito. Mas estamos vivendo
nossas relações com o mundo, com as coisas, causas e pessoas de forma
cada vez mais vazia, cada vez mais desprovida de profundidade e quiçá
de realidade.
Flávio Takemoto
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